O LUGAR DO PSICÓLOGO NO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS): UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
THE PLACE OF THE PSYCHOLOGIST IN THE SOCIAL ASSISTANCE REFERENCE CENTER (CRAS): A BIBLIOGRAPHICAL REVIEW
Rinaldo Conde Bueno
Graduado em Psicologia (UFMG), Mestre em Psicologia (PUC Minas), Doutor em Psicologia (UFMG). Professor de Psicologia da Unifuncesi de Itabira (MG), Supervisor Clínico-institucional do CAPS II de Itabira. Sócio proprietário e Psicólogo do Espaço Rizoma: Saúde Mental, Acompanhamento Terapêutico e Estudos (João Monlevade MG). E-mail: rinaldocob@gmail.com
Marina Bruzzi Pitombeira
Graduada em Psicologia (Doctum – João Monlevade MG) e Ciências Biológicas (UNILESTE Ipatinga MG), Pós-graduação Gestão em Saúde Pública e Meio Ambiente (PROMINAS). Sócio proprietária e Psicóloga do Espaço Rizoma: Saúde Mental, Acompanhamento Terapêutico e Estudos (João Monlevade MG). E-mail: marina.bio@hotmail.com.
Bárbara Aparecida Bueno Cotta
Graduada em Psicologia (Doctum João Monlevade MG) e Pedagogia (Funcec João Monlevade MG). Trabalhadora do SUAS de São Gonçalo do Rio Abaixo (MG). E-mail: buenobarbara@yahoo.com.br.
Tamires Torres Vilela
Graduada em Psicologia (Doctum João Monlevade MG) e História (UNOPAR). Trabalhadora do SESI Nova Era (MG); Psicól ga do Espaço Rizoma: Saúde Mental, Acompanhamento Terapêutico e Estudos (João Monlevade MG). E-mail: tamirestorres1@outlook.com
RESUMO
O presente artigo apresenta uma articulação entre o preconizado pelo Ministério da Saúde - MS e a elaboração de reflexões acerca da atuação profissional conjunta do profissional de serviço social e de psicologia. Entender a atuação dos psicólogos na interface com os assistentes sociais, tornou-se o ponto de engrenagem da presente pesquisa. Por isso pretendeu-se responder quais estratégias são desenvolvidas dentro do Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, pelo profissional de psicologia e de serviço social, que apoiam o desenvolvimento da autonomia do sujeito. Foram estabelecidos como escopos identificar a atuação da psicologia dentro do CRAS, por meio de publicações científicas, analisar artigos científicos que descrevem a atuação do psicólogo no ambiente do CRAS; pontuar os objetivos e considerações dos artigos selecionados; tecer uma crítica acerca do conteúdo discutido pela comunidade acadêmica, em atuações empíricas e o preconizado no guia do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas - CREPOP. É possível verificar que o psicólogo, dentro da unidade do CRAS, tem uma postura clínica individualizada, em contraponto no que se refere ao atendimento social e o funcionamento geral do CRAS, como principal política pública para erradicação da vulnerabilidade e pobreza no Brasil. Espera-se que mais perfis psicológicos em toda área da assistência social possam ser registrados e analisados pela comunidade científica, a fim de criar um arcabouço teórico que embase ainda mais o aprimoramento de Políticas Públicas na área e auxilie os órgãos competentes a desenvolverem métodos para garantir à população um atendimento digno e eficiente.
Palavras-chave: Psicologia e Assistência Social; políticas públicas do CRAS; Psicologia Social.
ABSTRACT
This article presents an articulation between what is recommended by the Ministry of Health - MS and the elaboration of reflections on the joint professional performance of social service and psychology professionals. Understanding the role of psychologists in the interface with social workers became the focal point of this research. Therefore, we intended to answer which strategies are developed within the Social Assistance Reference Center - CRAS, by psychology and social service professionals, which support the development of the subject’s autonomy. Scopes were established to identify the role of psychology within CRAS, through scientific publications, analyze scientific articles that describe the role of psychologists in the CRAS environment; point out the objectives and considerations of the selected articles; to criticize the content discussed by the academic community, in empirical actions and what is recommended in the guide from the Center for Technical References in Psychology and Public Policies - CREPOP. It is possible to verify that the psychologist, within the CRAS unit, has an individualized clinical stance, in contrast to social care and the general functioning of CRAS, as the main public policy for eradicating vulnerability and poverty in Brazil. It is expected that more psychological profiles in the entire area of social assistance can be recorded and analyzed by the scientific community, in order to create a theoretical framework that further supports the improvement of Public Policies in the area and helps the competent bodies to develop methods to guarantee provide the population with dignified and efficient service.
Keywords: Psychology and Social Welfare; CRAS public policies; Social Psychology.
INTRODUÇÃO
A Psicologia tem dialogado com diversas áreas para dar conta de tecer um sistema que justifique o desenvolvimento humano pautado na identidade, comunicação, gênero, relações interpessoais e demais conexões no âmbito social. Para isso, a ciência desenvolve estudos que discutem os processos psicossociais. A partir daí, questões como preconceito, violência e vulnerabilidade podem ser discutidas e melhor entendidas.
A junção desses saberes para fomentar a valorização do indivíduo perpassam por conhecimentos diversos e tecem, juntos, estratégias cada vez mais eficazes, resultando em estratégias idealizadas por meio de políticas públicas. Isso reforça a interface entre profissionais, sobretudo da Psicologia e da Assistência Social quando se trata do Sistema Único de Assistência Social - SUAS.
E é dentro dessa perspectiva que surge a necessidade de debruçar sobre a união que coloca os profissionais de psicologia dentro dos processos de construção da identidade de um território, quebrando a ideia de uma psicologia clínica, individualizada e elitizada. E trazendo a popularização e amadurecimento de uma psicologia social adaptável à realidade de territórios cada vez mais específicos, que sustentam essa construção de saúde e bem estar dentro do modelo psicossocial.
Pensando nas Políticas Públicas aplicadas na área social, o presente artigo apresenta uma articulação entre o preconizado pelo Ministério da Saúde - MS e a elaboração de reflexões acerca da atuação profissional conjunta do assistente social e do psicólogo. Para isso, giramos em torno do entendimento sobre a prática profissional que guia o funcionamento dessa unidade de assistência social, perpassando pela aproximação entre psicóloga e assistente social, que aplicam seus conhecimentos para executar as políticas públicas e entregar aos usuários o direito ao exercício da cidadania.
Dessa forma, entender a atuação da psicologia na interface com a assistência social, tornou-se o ponto de engrenagem da presente pesquisa. Isso, partindo de uma problemática que instigou a aprofundar acerca dos saberes da área de Psicologia Social, a saber: quais estratégias são desenvolvidas dentro do CRAS, pelos profissionais de psicologia e assistência social, que corroboraram com a autonomia do sujeito? A indagação surge quando é notória a escassez de artigos publicados na área da atuação profissional dentro do CRAS, que é porta de entrada para o combate à vulnerabilidade e garantia de direitos humanos básicos. Ainda, durante a formação acadêmica, as autoras do presente artigo se depararam com a constante queixa da não aderência da população alvo em programas assistenciais e de saúde mental.
A precariedade nas informações dificultou a elaboração de estratégias para trabalhar com a demanda e, consequentemente, trazer novas ações que mitigassem o problema de abandono e não aderência vivenciados pelas mesmas durante estágios obrigatórios e não obrigatórios. Com isso, surge o interesse da investigação técnico-científica para afirmar, ou refutar, a ausência de técnicas nesse sentido.
Para isso, partiremos do recorte histórico dos passos desenvolvidos pela psicóloga para um CRAS onde foram feitas observações de estágio com foco nas perspectivas e desafios para com a população, na visão da Psicologia Social, guiado sob as diretrizes do Conselho Federal de Psicologia - CFP. Nesse sentido, a literatura responsável por guiar o arcabouço teórico da pesquisa são os documentos de Orientação e Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) no CRAS/SUAS.
Estes documentos têm como finalidade orientar os profissionais quanto a sua conduta dentro do CRAS e foi desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Social - MDS, pautado na afirmativa de que “as ações sociais de Estado são fundamentais para o processo de desenvolvimento de um país” (Brasil, 2009, p. 05). Mais ainda, faz parte também da referência teórica, o documento desenvolvido pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas - CREPOP, que elabora informações com a finalidade de “informação qualificada que visa ampliar a capacitação dos psicólogos na compreensão das políticas públicas de modo geral” (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p. 06). No processo de construção de uma psicologia mais social, o fazer profissional vai ganhando compreensão técnica, teórica e um planejamento para executar as políticas públicas.
Para cumprir tal proposta, foi estabelecido nesta pesquisa identificar a atuação do profissional de psicologia dentro do CRAS, por meio de publicações científicas, buscar a presença de artigos, dentro da plataforma Scielo, que descrevam a atuação deste profissional, tecendo uma crítica acerca do conteúdo discutido pela comunidade acadêmica, em atuações empíricas e o preconizado no guia do CREPOP.
Tal pesquisa justifica-se por trazer um importante movimento do fazer profissional que surge no mundo contemporâneo. A crescente busca pela formação em psicologia e a dinamicidade das profissões em meio ao boom tecnológico (atendimento on-line) e a expansão de subáreas dentro da Psicologia (novas interfaces profissionais) têm exigido cada vez mais pesquisas que embasam estratégias e protocolos que guiam o fazer profissional.
Já para a comunidade científica, a compilação de dados dessa natureza auxilia no entendimento da formação desse sistema, corroborando para o movimento da ciência e da profissão dentro da área social, da política pública e afins. O Censo Psi (Gondim; Barros, 2022), aponta que a atuação na área da psicologia tem tornado, cada vez mais, uma área predominantemente social e passível de interfaces, permitindo o crescimento profissional.
Isso implica que é de extrema importância o acompanhamento da área científica desse perfil que se forma, sobretudo pelo fato de o SUAS está sempre em movimento de reconstrução, atento às demandas sociais e culturais dos sujeitos e das suas histórias. E é com base nesses pontos que se forma o referencial teórico aqui apresentado. Primeiro, far-se-á a contextualização do objeto de pesquisa, apontando a inserção da psicologia no ambiente social. E ainda, é dedicado um momento para apontar pontos relevantes das políticas públicas nessa área e, então, fazer as considerações sobre a interface entre a Psicologia e a Assistência Social.
REVISÃO DE LITERATURA
A inserção da(o) psicóloga(o) no âmbito social
A Psicologia no âmbito social trouxe novas perspectivas para projeções da área acerca da atuação profissional e suas nuances. Isso porque existe um leque de possibilidades, dando ao campo uma característica de múltiplas faces com inúmeras vertentes. Ou seja, é possível ver a Psicologia Social por aspectos e campos diferentes.
A construção dessas faces e vertentes que se estendem entre os profissionais pode ser vista ao analisar o perfil desses profissionais. Em pesquisa, o Censo Psi infere que a escolha pela profissão de psicólogo sofre influência da imagem social. E é esse reflexo social que responde pela dinamicidade da profissão.
Isso porque o perfil profissional tem uma identidade que reflete o cuidado com o outro e o desejo em auxiliar as pessoas no processo de desenvolvimento pessoal. O que coloca o psicólogo em uma categoria vocacional social, onde o desejo de ajudar outra pessoa prevalece na escolha da profissão desde a década de 1980 (Gondim; Barros, 2022).
Todavia, para conversar com outras áreas dentro da esfera social e amparo à vulnerabilidade, a Psicologia precisou organizar seu campo de conhecimento construindo uma postura que atendesse a sociedade, perpassando sobre a história e agregando valores condizentes com seus princípios. O resultado foi a elaboração de um plano ético-político que, ao contrário da Assistência Social, ainda está em processo de consolidação. Na psicologia, o compromisso para com a sociedade é:
a produção de bem-estar biopsicossocial, cada vez mais comprometido com a promoção da vida. Propor, a partir das nossas intervenções, atravessar o cotidiano de desigualdades e violências a estas populações, visando o enfrentamento e superação das vulnerabilidades, investindo na apropriação, por todos nós, do lugar de protagonista na conquista e afirmação de direitos (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p. 15).
Isto é, confrontar os problemas sociais de forma a superar, ou mitigar, as fragilidades que se encontram certas famílias, é uma obrigação do psicólogo que se dedica ao atendimento social, sobretudo dentro da Redes de Atenção Psicossocial - RAPS. A partir daí, faz-se necessário existir coerência no diálogo entre os profissionais que se dedicam ao desenvolvimento e à assistência social. Trabalhar dentro dessa lógica é de suma importância para os profissionais que atuam no SUAS, visto que a interdisciplinaridade é indispensável para operar um modelo biopsicossocial de atendimento.
O CRAS, por exemplo, surge como estratégia de desenvolvimento territorial, com foco na prevenção e promoção do bem-estar. E o psicólogo deve atuar na potencialização desses objetivos, valorizando a saúde, a família e a comunidade. “A atuação do psicólogo no CRAS tem foco na prevenção e ‘promoção de vida’, mas isto não significa desconsiderar outros aspectos relacionados às vulnerabilidades” (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p. 12).
A partir daí, faz-se necessário discorrer sobre algumas questões pertinentes para o desenvolvimento de estratégias voltadas à intervenção social. Em um campo de amplo espectro, que é a assistência social para sujeitos em situação de vulnerabilidade, a Psicologia precisa encaixar com as demais peças de forma a agregar e contribuir nas ações já existentes e praticadas pela área.
Dessa forma, as Políticas Públicas desenvolvidas para dar suporte ao funcionamento do CRAS como unidade física e independente estão reafirmando a importância do trabalho de autonomia e estruturação de um território que comporta famílias em situação de vulnerabilidade.
Segundo o MS (Brasil, 2023b), direitos básicos, como infraestrutura e alimentação, são fundamentais para qualquer família e estão garantidos pela Constituição Brasileira. Visto isso, o próximo subitem traz um compilado dos pontos mais relevantes de um recorte das Políticas Públicas.
Políticas Públicas para a assistência social
As Políticas Públicas resultam de um processo institucional para solucionar problemas coletivos, sendo o pilar fundamental para a construção do social na garantia de direitos fundamentais, da universalidade e descentralização. O que é a base para alcançar a equidade através de participações heterogêneas, como a popular, estatal e privada.
Hoje podemos contar com instrumentos que norteiam planejamentos de estratégias em saúde. São eles o Plano Nacional de Saúde - PNS e o Plano Plurianual - PPA. A partir daí, é possível monitorar e aprimorar as políticas e programas que são construídos ao longo dos anos, de acordo com as necessidades identificadas. Segundo o MS (Brasil, 2023b), tais estratégias estão sempre alinhadas com a realidade social, por meio de uma construção coletiva. E são estes documentos que direcionam o funcionamento de Políticas Públicas, validam a sua execução e as tornam eficazes.
Entretanto, faz-se importante indicar que nem sempre existiram estes documentos. Fruto de uma longa luta, a sociedade consegue ter a garantia de direitos sociais básicos com a Constituição Federal de 1988, onde a assistência social passa a ser política pública, a fim de mitigar a desigualdade que impera no Brasil há séculos.
Em 2004, por meio da Resolução nº 145, o Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS aprovou por unanimidade a Política Nacional de Assistência Social - PNAS, fazendo valer as diretrizes do LOAS. O MDS ressalta que a Norma Operacional Básica - NOB veio para desmistificar o assistencialismo caridoso e reafirmar o compromisso do Estado para com a sociedade (Brasil, 2004).
No mesmo sentido, o MDS idealizou a PNAS um modelo de ação participativo e descentralizado, onde as equipes podem agir de forma pontual, trabalhando questões pertinentes em um ambiente de vulnerabilidade, através de unidades de proteção básica como o CRAS (Brasil, 2009). Este último é parte pertinente do objeto deste trabalho.
Como já bem introduzido, o CRAS tem como principal objetivo garantir os direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade, ao qual foram tirados ou negados seus direitos básicos como cidadão. Isso se faz desenvolvendo estratégias de emancipação, autonomia e capacitação de habilidades que empoderam o sujeito social. Esta unidade do SUAS veio como ferramenta para superar a necessidade de ações que atendessem uma população, descentralizando as políticas públicas e dando autonomia para quem, de fato, conhece a realidade da população. O que acarreta na eficácia das ações.
Essa territorialização, através de um ambiente físico localizado em regiões de vulnerabilidade social, é fundamental para que o CRAS alcance seus objetivos. Isso porque é através de uma gestão local que é possível “promover a atuação preventiva, disponibilizar serviços próximo do local de moradia das famílias, racionalizar as ofertas e traduzir o referenciamento dos serviços ao CRAS em ação concreta” (Brasil, 2009, p. 20).
Hoje são inúmeras as ações que o SUAS executa, inclusive dentro do próprio CRAS. A equipe multidisciplinar e as parcerias com outros órgãos, estatais e privados caminham em prol de auxiliar o cidadão a conquistar o que lhe é de direito. Partindo daí, o próximo subitem entra na vivência da psicóloga com a assistente social dentro de uma área pouco explorada pela Psicologia, quando comparada com a Assistência Social e outras áreas dentro da própria Psicologia.
Conceitos na interface entre Psicologia e Serviço Social
O Serviço Social já faz parte das políticas de assistencialismo desde a década de 1960. Em resposta a um período repleto de lutas, surge a necessidade de intervenção na realidade social, podendo contar com uma estruturação sistemática da Psicologia Social, ainda contida nas áreas da Sociologia e da Moral (Conselho Federal de Psicologia, 2021; Lane, 2006). “A opção do Serviço Social no campo de defesa da classe trabalhadora e na luta pela garantia de direitos, aconteceu em meio à movimentação das manifestações pela democratização depois de 1964” (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p. 9). Já a Psicologia Social teve sua ascensão um pouco antes, “após a Primeira Guerra Mundial, juntamente com outras ciências sociais, procurando compreender as crises e convulsões que abalavam o mundo” (Lane, 2006, p. 75).
Ambas as áreas precisam conversar com a atual proposta do MS, a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS, que passou por turbulências políticas nestes últimos anos. Entre imposições, instituições e revogações, a verba destinada à atenção psicossocial (para pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas) vem, por parte do governo, sendo posta em xeque. Essa imprevisibilidade e a possibilidade de retrocesso na conquista de direitos, causa preocupação em diversos setores ligados às políticas públicas e à sociedade civil como um todo, tendo em vista que a consolidação e execução de ações sociais importantes para a autonomia do sujeito está vinculada às RAPS e deveria partir do SUAS. Aqui, trabalharemos com a definição de direitos humanos a partir do conceito internacional baseado em normas jurídicas que, a partir de tratados e acordos, garantem um olhar para as necessidades básicas que garantem a dignidade do ser humano.
Isso é o preconizado pelo Governo e Estados e registrado pelos teóricos da área. Mas, pensando em uma atuação no âmbito social, com foco nas intercorrências territoriais, existe uma lógica operacional elaborada para dar conta da situação de forma mais completa possível. Isso porque um problema aparente pode ser consequência de diversos fatores: social, biológico, psicológico, ou um conjunto de dois ou mais desses fatores. Todos singulares, próprios daquele meio.
Ainda, para que as ações dentro do CRAS possam atingir seus objetivos como política pública, os profissionais envolvidos precisam alcançar a história cultural coletiva e individual, formando um rizoma em constante crescimento. Isso evita cair no erro de tratar a cultura local de forma simplificada. Aqui começa a importância de olhares diferenciados para uma mesma questão.
Essa estrutura social de um território pode ultrapassar o conceito geral do termo, muitas vezes entendido de forma superficial e não como um processo, mas como uma realidade estática. Muitas vezes, o que ou quem está fora do processo não percebe as transformações sociais, religiosas, intelectuais, artísticas, dentro de um território. E essa discussão deve existir dentro do CRAS e deve ser fomentada pelos profissionais, sobretudo pela psicologia e pelo serviço social, que dominam o entendimento sobre a dinamicidade da cultura.
Dentro desse contexto, debruçando sobre esse processo, é que a atuação conjunta, Psicologia e Assistência Social, enriquece o processo de empoderamento e autossuficiência proposto pela política pública do CRAS. Como bem coloca o CREPOP (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p. 18), “É preciso, portanto, olhar o sujeito no contexto social e político no qual está inserido e humanizar as políticas públicas”. E é a construção desse olhar que acontece na troca de saberes interdisciplinares. “A interdisciplinaridade é um processo de trabalho recíproco, que proporciona um enriquecimento mútuo de diferentes saberes, que elege uma plataforma de trabalho conjunta, por meio da escolha de princípios e conceitos comuns.” (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p. 65).
Isso é, trabalhar com o que se efetiva na prática das duas profissões, buscando otimizar a prestação de serviço e entregar ao usuário do CRAS o que lhe é de direito, de forma completa. Sobre essa forma de trabalho, o MDS (Brasil, 2009, p. 65), faz uma importante colocação: “o trabalho em equipe não pode negligenciar a definição de responsabilidades individuais e competências”. É saber o limite entre a troca de experiências que agrega uma aplicação da política mais rica, como na elaboração de estratégias e ações dentro da unidade. E a execução das atividades necessárias para colocar em prática essa troca de saberes.
O MDS (Brasil, 2009, p. 65) ainda completa que “deve-se buscar identificar papeis, atribuições, de modo a estabelecer objetivamente quem, dentro da equipe interdisciplinar, encarrega-se de determinadas tarefas”. Essa é a primeira questão que deve ser clarificada nessa interface profissional. É uma questão mais administrativa do que intelectual. Ponto este que por vezes passa despercebido na discussão entre os fazeres interdisciplinares.
MATERIAL E MÉTODO
Pensando nos procedimentos técnicos utilizados, o presente artigo foi construído seguindo a metodologia de pesquisa bibliográfica. Isso porque o seu delineamento traz a compilação de informações previamente publicadas na plataforma Scielo.
Já em relação aos objetivos estabelecidos, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois visa apresentar a atuação da psicóloga dentro do CRAS. Com vista a escassez de material e na recente inserção da profissional em unidades de caráter assistencial, como bem descrito no referencial teórico aqui apresentado, compilar os registros é uma forma de organizar as informações, possibilitando o avanço de pesquisas na área (Gil, 2002).
Para isso, partimos do recorte histórico da construção do SUAS e a conquista de políticas públicas no Brasil e fechamos o leque nas estratégias desenvolvidas pelos profissionais de psicologia no CRAS com foco nas suas perspectivas e desafios, na visão da Psicologia Social, guiado sob as diretrizes do CFP. Nesse sentido, a literatura responsável pelo arcabouço da pesquisa é o documento de Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) no CRAS/SUAS (Conselho Federal de Psicologia, 2021).
Sobre a escolha da plataforma Scielo como mecanismo de busca, foi considerada sua relevância e popularidade no meio acadêmico. A utilização desta como referência de conteúdo, reflete na disseminação do assunto para o movimento da ciência e das estratégias de prática profissional. Isto é, sendo um dos primeiros canais de busca no meio acadêmico, espera-se que a entrega dos resultados influencia na difusão do assunto. Ainda, trata-se de uma plataforma com publicações relevantes, compilando diversas revistas, simpósios e congressos.
Por meio de palavras-chaves foram localizados artigos que versam sobre a temática aqui discutida: a atuação do profissional em Psicologia no CRAS. Tais palavras-chave são apresentadas e discriminadas no item Resultados e Discussão. A escolha das palavras foi de forma pontual e direta: atuação, psicólogo, CRAS. Sendo essas as três palavras que melhor descrevem o objetivo do presente trabalho.
Foi feita, antes desta, uma busca pela atuação do profissional de psicologia no estado de Minas Gerais. Isso porque a atuação dentro do CRAS tem como característica ações pontuais e ímpares, visando as características do território de atuação. Reduzir a busca para um estado, diminuiria os problemas de inconsistência de técnicas por diferenciação de hábitos e culturas. Todavia, não se obteve um resultado satisfatório ou suficiente para análise.
RESULTADOS
Para as palavras-chave: “atuação psicólogo CRAS Minas Gerais” foi localizado um artigo que versa sobre o estudo das “[...] relações subjetivas que emergem entre os psicólogos do CRAS de uma cidade do interior de Minas Gerais” (Andrade; Romagnoli, 2010, p. 605). Isto representa um baixo número de publicações, visto que de acordo com o último Censo SUAS, Minas Gerais possui 1.175 unidades do CRAS em funcionamento, distribuídas em 852 municípios (Brasil, 2009).
Já para as palavras-chave: “atuação psicólogo CRAS”, foram localizados apenas 10 artigos. Esse resultado reafirma a ideia da escassez quanto à representação da psicóloga dentro do CRAS. E foi nesse ponto que as autoras do presente artigo se mantiveram, sem alterar a busca. Primeiro, as autoras acreditam que a retirada da palavra atuação desviaria o objetivo do trabalho. Segundo, que a busca de trabalhos semelhantes, ou que citam a atuação em segundo plano, demandaria um tempo mais longo de análise. O que não se tem para a execução do presente trabalho.
Sobre os anos de publicação, os artigos compreendem entre 2010 e 2019 (Quadro 01). Todavia, a apresentação dos artigos se deu pela ordem de busca, como bem expressa o Quadro 01 na sua primeira coluna. A escolha foi feita por questão de organização e nada representa a priorização ou relevância dos textos ou seus locais de publicação. Lembrando que o objetivo aqui não é avaliar as instituições ou seus autores, mas sim compilar um fazer profissional no Brasil.
Quadro 01 – Fichamento de todos os artigos localizados, com a utilização da palavra-chave
‘atuação psicólogo CRAS’, na plataforma Scielo
Ordem* |
Autor (es) |
Título |
Ano Publicação |
ID** |
1 |
MARTINS, Eduardo de Carvalho et al. |
Cinema perto da gente: arte como estratégia de atuação do psicólogo no CRAS |
2019 |
Psicologia: Ciência e Profissão, v. 39. |
2 |
MACÊDO, Orlando Júnior Viana et al. |
Atuação dos Profissionais de Psicologia nos CRAS do Interior da Paraíba |
2018 |
Trends in Psychology, v. 26, p. 1083-1097. |
3 |
SARAIVA, Luís Fernando de Oliveira |
O atendimento a queixas escolares no CRAS |
2018 |
Psicologia Escolar e Educacional, v. 22, p. 215-217. |
4 |
OLIVEIRA, Isabel Fernandes de et al. |
Atuação dos psicólogos nos CRAS do interior do RN |
2014 |
Psicologia & Sociedade, v. 26, p. 103-112. |
5 |
SOBRAL, Marcela Flores Cardoso; LIMA, Marcus Eugênio Oliveira |
Representando as práticas e praticando as representações nos CRAS de Sergipe |
2013 |
Psicologia: Ciência e Profissão, v. 33, p. 630-645. |
6 |
REIS, Rosana Gomes; CABREIRA, Lucimaira |
As políticas públicas e o campo: e o Psicólogo com isso? |
2013 |
Psicologia: ciência e profissão, v. 33, p. 54-65. |
7 |
SENRA, Carmem Magda Ghetti; GUZZO, Raquel Souza Lobo |
Assistência social e psicologia: sobre as tensões e conflitos do psicólogo no cotidiano do serviço público |
2012 |
Psicologia & Sociedade, v. 24, p. 293-299. |
8 |
MACEDO, João Paulo et al. |
O psicólogo brasileiro no SUAS: quantos somos e onde estamos? |
2011 |
Psicologia em estudo, v. 16, p. 479-489. |
9 |
OLIVEIRA, Isabel Fernandes de et al. |
A prática psicológica na proteção social básica do SUAS |
2011 |
Psicologia & Sociedade, v. 23, p. 140-149. |
10 |
ANDRADE, Laura Freire de; ROMAGNOLI, Roberta Carvalho |
O Psicólogo no CRAS: uma cartografia dos territórios subjetivos |
2010 |
Psicologia: ciência e profissão, v. 30, p. 604-619. |
Fonte: Autoria própria (2023).
Legenda:
* Ordem na qual os artigos aparecem na busca
** Identificação do local de publicação de cada artigo
A primeira seleção dos artigos se deu por meio dos resumos apresentados por cada um dos trabalhos elencados no Quadro I. Foi feita a leitura e considerados os seguintes pontos: relato de atuação e/ou vivência prática, descrição de atividades já executadas e relação do profissional com a Assistência Social e usuários do centro. Todos os artigos apresentaram pelo menos uma dessas condições. O que culminou na análise de todos os artigos, sem ser necessário excluir nenhum.
A partir de agora serão descritas as principais observações feitas pelos autores dos artigos analisados, confrontando com o preconizado pelo CREPOP e MDS. Em seguida, os autores deste trabalho tecem uma crítica sobre a importância do referencial teórico, a troca de experiências e a reflexão interprofissional e entre pares.
DISCUSSÃO
Serão apresentados na discussão os resultados da pesquisa com foco no objetivo do presente trabalho, a atuação da psicóloga dentro do CRAS, por meio de publicações científicas. Os artigos serão identificados pela ordem aplicada no Quadro 01, bem como devidamente referenciados segundo autores e ano de publicação. Já a descrição e crítica foi construída entre os artigos, com auxílio do material de referência Conselho Federal de Psicologia (2021), quando necessário.
O primeiro artigo retrata a pesquisa de Martins et al. (2019) e descreve a pesquisa sobre Método para acentuar o engajamento social em território de vulnerabilidade social. O psicólogo realiza a escuta do sofrimento sociopolítico e o acolhimento e construção de estratégias de enfrentamento. Os autores relatam conseguir trabalhar temas presentes no dia a dia e pertinentes para emancipação do sujeito e conquistas sociais.
Como bem coloca indica o MDS (Brasil, 2009), o psicólogo não deve realizar atendimentos psicoterapêuticos dentro da unidade do CRAS. Mas deve compreender processos subjetivos, contribuir para a prevenção de rupturas familiares e comunitárias, favorecer a autonomia, sempre dando preferência ao atendimento coletivo. Apesar do primeiro artigo analisado apontar a importância do fazer profissional comunitário, não é este cenário que se repete com a maioria dos artigos aqui apresentados.
Ainda, esse primeiro artigo está condizente com as políticas do CFP quando confirma que as dimensões sócio-políticas são parte importante da formação dos sujeitos. E são estes os sujeitos que perpetuam o cuidado e a cidadania, e criam as referências de exclusão e autonomia coletiva. O CRAS chega com a possibilidade de atendimento qualificado, por oferecer ações comunitárias para mitigar problemas sociais através da formação de sujeitos políticos (Conselho Federal de Psicologia, 2021).
Já Macêdo et al. (2018) produziram um artigo por meio de entrevistas semiestruturadas e individuais, onde trazem uma reflexão do perfil profissional por meio de um referencial teórico que ainda não apareceu em nenhuma publicação analisa: Psicologia Histórico-Cultural. Foi possível observar, neste estudo, que a formação acadêmica está voltada para a clínica individualizada. O que limita a atuação profissional no campo social, principalmente em situação de vulnerabilidade.
Este artigo demonstra que o perfil profissional precisa focar na especialização para psicologia socioassistencial e demais políticas públicas dessa natureza. A mudança na ementa já é presente, fato visto na grade curricular do curso de Psicologia da Rede Doctum de João Monlevade, onde as autoras deste artigo entregam o presente Trabalho de Conclusão de Curso. Para os profissionais que não tiveram a oportunidade de aprender o conhecimento ainda na graduação, faz-se necessário uma capacitação.
Para a implementação do CRAS é necessário que o profissional tenha o perfil e seja capacitado para a área. Isso inclui conhecimento das referências técnicas e realizar, sempre, a formação continuada. Tais demandas devem ser detectadas pelos coordenadores da unidade e asseguradas pelos gestores. Isso é possível observar no artigo três, escrito por Saraiva (2018), onde a Psicologia atua em estratégias de grupos, promovendo a reflexão e o desenvolvimento social.
O artigo de Saraiva (2018) aborda a presença da Psicologia na elaboração de estratégias para auxiliar as mães na educação dos filhos, transformando a realidade e possibilitando a melhoria na qualidade de vida em diversas esferas: financeira, emocional, relação familiar e social. Assim como o projeto Cinema Perto da Gente (artigo 1), trabalhar a reflexão a partir de uma realidade social possibilita maior engajamento.
O CRAS desempenha um importante papel junto com a família e as escolas do território onde atende, no sentido de garantir o acesso à educação, por exemplo, identificando e refletindo sobre as dificuldades e barreiras reais que impedem crianças e adolescentes de exercerem seus direitos enquanto cidadãos (Brasil, 2009; Conselho Federal de Psicologia, 2021). Além de facilitar a compreensão. Aquilo que tem sentido fica mais palpável e, por consequência, mais fácil de lidar e resolver.
Uma ferramenta importante para os profissionais do CRAS é a Agenda Social do Governo Federal Juventude. O Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem “[...] busca assegurar direitos e gerar oportunidades para jovens entre 15 e 29 anos, articulando ações entre os setores de assistência social, educação, trabalho e juventude, direitos humanos, saúde, meio ambiente, esporte, lazer e cultura” (Brasil, 2009, p. 28). Mas, seguir os programas do Governo nem sempre garante um atendimento psicológico condizente com a área social.
Isso porque a implementação dos programas não diz respeito à forma de intervenção e participação do psicólogo, e sim, de quais requisitos devem ser aplicados durante o projeto. Oliveira et al. (2014), levantaram uma pesquisa apontando os principais pontos para ser considerado na implementação de projetos aplicados para população em situação de vulnerabilidade social. E foi verificado que ainda existe um paralelismo no trabalho em equipe sobressaindo a detenção de saberes por parte de cada profissional.
Oliveira et al. (2014), apresentam os resultados de uma entrevista semiestruturada com psicólogos atuantes no CRAS. A entrevista abordou os seguintes assuntos: perfil sociodemográfico, formação profissional, serviços ofertados nos CRAS e atividades desenvolvidas pelos psicólogos. O trabalho possibilitou constatar que os profissionais de Psicologia atendem o escopo da política de Assistência Social.
Todavia, está presente ainda uma atuação hegemônica. O modelo clínico individualista prevalece e a ocupação de cargos no âmbito social é motivada pela inserção no mercado de trabalho, prevalecendo profissionais liberais sobre os sociais. Os autores, ainda, ressaltam que a função social do psicólogo raramente é citada e discutida em debates da profissão. Se por um lado o psicólogo exerce uma atuação clínica, a assistência social segue seu fazer sem se importar.
Com base nisso, pode-se dizer que Oliveira et al. (2014) apresenta uma excelente flexão. É o artigo que melhor representou a estrutura metodológica, permitindo ampliar os dados sobre a temática, sendo este passível de reprodução. O empenho de pesquisadores, pelo Brasil, com foco em levantar tais dados pode ser de suma importância para o desenvolvimento de propostas, ações e até mesmo aprimoramento de políticas públicas.
Considerando que a instalação do CRAS, bem como as estratégias desenvolvidas, é descentralizada e singulares ao território de vulnerabilidade social ao qual está instalado (Brasil, 2009; Conselho Federal de Psicologia, 2021), fazer o levantamento de perfis sociodemográficos é de suma importância para avaliar a atuação profissional e o trabalho em equipe, de forma multi e interdisciplinar. Outra pesquisa importante para construir uma política assistencial e derrubar essa segregação entre os membros da equipe é a forma como os usuários do CRAS enxergam o psicólogo da unidade.
A relação trazida no quinto artigo analisado busca exatamente identificar a representação social do psicólogo para os usuários do CRAS. E assim, em quase todos os estudos aqui analisados, o psicólogo, de alguma maneira, entrega uma imagem de atuação clínica. Ou seja, além da própria profissão se ver assim, essa imagem perpetua para os demais. Sobral e Lima (2013), justificam essa visão com o fato da recente inserção do psicólogo no campo social.
Entender como os usuários enxergam o profissional de psicologia é um passo importante para construir estratégias de vínculo e desconstruir a imagem distorcida do fazer profissional dentro da área social. Ao tempo que invista na capacitação continuada profissional. Para além da atuação clínica em um ambiente social, foi registrado no artigo seis a incapacidade de atuar diante situação social peculiar, por meio de uma análise qualitativa sobre práticas destinadas aos moradores da zona rural (Reis; Cabreira, 2013).
Os psicólogos participantes não possuíam técnicas para aquele território. Apenas reproduziam técnicas aplicadas nas áreas urbanas. Foi apontado pelos profissionais que o déficit indica importante falta de discussão teórica na formação acadêmica. A Psicologia Social e Políticas Públicas não apareceram como assuntos pertinentes ao longo da graduação, tampouco com foco em áreas rurais.
Todavia, como já foi mencionado, a capacitação deve ser continuada. Não é possível esgotar todos os assuntos durante a graduação, sendo ela a base para especializar e aprimorar o conhecimento da área que o profissional deseja atuar. A capacitação continuada pode partir da Gestão do Trabalho no SUAS (Conselho Federal de Psicologia, 2021), da coordenação e dos agentes administrativos e sociais do CRAS (Brasil, 2009). Ou, ainda, do próprio profissional, que deve buscar atualizar-se na sua área prática.
Segundo o MDS “O ideal é que esta formação seja continuada e que se prevejam momentos de estudo e aprimoramento da ação” (Brasil, 2009, p. 41). Kummer (2007), por exemplo, apresenta um manual que aborda teorias e ferramentas, e compartilha vivências para trabalhar com a população rural. A autora indica que em uma perspectiva interdisciplinar espera-se que, no âmbito multiprofissional, as (os) psicólogas (os) contribuam para a compreensão sobre a realidade do território, incluindo nesta seara os grupos, as famílias e/ou o indivíduo.
O artigo sete já traz uma reflexão mais ampla. O que não deixa de ser importante, pois ela consegue embasar o problema mais pontual: o fazer psicológico incoerente com a área social. Senra e Guzzo (2012) colocam em pauta uma importante reflexão: a inserção da Psicologia na área da Assistência Social e o compromisso desta categoria neste âmbito. Os autores apresentam a intenção de colocar a Psicologia como parte do processo da emancipação humana e da criação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Todavia, existe uma complexidade maior que ainda impede os profissionais de colocar em prática o que os Conselhos de Psicologia e Assistência Social lançam como tema. Para Senra e Guzzo (2012, p.298) “o projeto do ‘compromisso social do psicólogo’ já se esgotou para a psicologia, pois mesmo com alguns avanços, tornou-se esvaziado de sentido quando não aprofunda as contradições existentes na sociedade e na própria profissão”.
É compromisso, tanto do psicólogo como do assistente social, a garantia dos direitos socioassistenciais e a oferta de serviços, programas, projetos e benefícios. Ainda, o psicólogo deve ocupar-se com o enfrentamento da miséria humana e transformação da realidade social (Conselho Federal de Psicologia, 2021). É, também, um compromisso de todo o poder público essa oferta dos serviços socioassistenciais (Brasil, 2009). O que reforça a importância do trabalho do psicólogo especializado nas demandas sociais. “A Psicologia é parte disso, e tem se esforçado nas suas instâncias em promover debates e proposições para esse enfrentamento, embasada nos direitos humanos e no seu compromisso social firmado com a sociedade brasileira” (Conselho Federal de Psicologia, 2021, p.185). Apesar da afirmação do CFP, o fazer profissional tem deixado a desejar. Talvez, uma maior fiscalização por parte do Governo Federal e do Sistema de Conselhos de Psicologia, pode auxiliar na garantia de um fazer profissional mais adequado.
Considerando o número de profissionais atuantes nas unidades do CRAS, pelo Brasil, a prestação de serviço social com participação do psicólogo na elaboração, escopo, acompanhamento e execução, deveria apresentar uma evolução no sentido de melhoria da prestação de serviço. O artigo oito traz uma perspectiva descritiva-exploratória quantitativa da quantidade de CRAS no Brasil. Em julho de 2011, existiam 7.607 CRAS ativos no país (Macedo et al., 2011). Já em outubro de 2023, o CADSUAS registra 8.663 CRAS ativos. São 1.056 CRAS abertos em um período de 12 anos. Ao analisar a presença de psicólogos em algumas unidades, foi possível observar que existia ao menos um profissional desta área atuando. Algumas unidades contam com até cinco psicólogos. Considerando o porte do município, levanta-se o questionamento se todos os profissionais estão atuando.
Na dúvida de não haver atualização do cadastro dos recursos humanos, considerou-se inviabilizados os dados da quantidade de profissionais atuantes, entre eles, o psicólogo. Fato é que foi localizado o município de Veríssimo - MG, com 3.411 habitantes (Prefeitura Municipal de Veríssimo, 2023) e 31 profissionais cadastrados em seu corpo técnico, onde destes 5 são psicólogos (Brasil, 2023a). O registro mais antigo data do dia 01 de janeiro de 1996. Sendo este finalizado no ano de 2020.
No penúltimo artigo analisado, mais uma vez, está a atuação do psicólogo afastada da área social. Oliveira et al. (2011), apresentam seu artigo com objetivo de analisar a atuação do Psicólogo atuante no CRAS da região metropolitana de Natal - RN. Foram entrevistados 20 profissionais da Psicologia distribuídos em 17 centros de assistência. Os resultados mostraram que a psicoterapia ainda está arraigada no fazer profissional dos psicólogos, que deveriam ter um olhar social. Os autores destacam que o fazer profissional na área social tem suas peculiaridades e deve ser seguido. Ainda, atentam para os desafios e entraves existentes dentro das políticas sociais que permanecem e poderiam ser superados com o auxílio de um fazer profissional da Psicologia aplicada às demandas para a superação da vulnerabilidade social.
Para superar tais barreiras, existe o CREPOP. Este centro foi criado em 2006 e visa orientar e qualificar os profissionais de Psicologia, deixando-os aptos a atuarem nas políticas públicas. Ainda, foi lançado no ano de 2008 o manual intitulado Referências Técnicas para atuação de psicólogas (os) no CRAS/SUAS, que já se encontra na sua 3ª edição (Conselho Federal de Psicologia, 2021).
Mais uma vez, ressalta-se que a capacitação profissional deve existir, sobretudo por parte do próprio profissional, independente da sua área de atuação. O que pode ser observado no artigo 10. Apesar de ainda haver resquícios da psicologia clínica dentro do CRAS, já é possível observar um trabalho mais estruturado para a área social. O artigo 10, de Andrade e Romagnolis (2010) traz uma pesquisa realizada com o ambiente de atuação CRAS, equipe e comunidade.
O levantamento de dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas e observação participante. Os dados revelam que existe tanto trabalho em equipe quanto paralelo. E, assim como nos demais artigos, foi observado que a Psicologia Clínica prevalece no ambiente. Ainda, o artigo ressalta que há resistência por parte da população em aderir aos benefícios propostos pelo CRAS (Andrade; Romagnolis, 2010). Mais uma vez, retorna-se ao ciclo de resistência da população e a ausência de esforço por parte da equipe CRAS.
E ao final de todas as análises é possível observar que a relação do fazer profissional do psicólogo e o âmbito social apresenta uma preocupação. Mesmo com a criação do CREPOP, em meados dos anos 80, e a determinação de técnicas para atuação do psicólogo no CRAS em 2008, parece não ter surtido efeito na prática. A capacitação profissional, seja por meio de especialização ou estudo periódico independente, precisa ser cobrada por parte dos profissionais da área.
CONCLUSÃO
Oliveira et al. (2014), foram os que mais se aproximaram da proposta colocada pelas autoras do presente trabalho: Identificar a atuação da psicologia dentro do CRAS, por meio de publicações científicas. Contudo, considera-se que o objetivo geral foi cumprido. O ideal era encontrar outras publicações que discutam a formação da psicóloga no CRAS confrontando-a com os serviços ofertados pela unidade. É analisando esta relação que se pode replicar estratégias que deram certo e corrigir os erros.
Ficou explícito que o psicólogo, dentro da unidade do CRAS tem uma postura clínica individualista. O que prejudica o atendimento social e o funcionamento do CRAS como principal política pública para erradicação da vulnerabilidade e pobreza no Brasil. Apesar da referência técnica para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS já estar na sua terceira edição, a postura do psicólogo pouco mudou na prática.
Ainda, não foi localizado no material de referência técnica a importância de mudar a forma ao qual os usuários do SUAS enxergam o profissional de psicologia. O que perpetua a prática de buscar a unidade para conseguir um atendimento de psicoterapia. Concordando com o preconizado pelo Conselho Federal de Psicologia (2021) e pelo MDS (Brasil, 2009), o profissional precisa se especializar na área e quebrar a visão psicologizante e clínica que foi construída acerca da profissão ao longo dos anos.
Ademais, as autoras deste artigo acreditam que os termos incluídos na pesquisa são importantes para o assunto e deveriam trazer um maior número de trabalhos relacionados a tais termos. Ainda, a mudança dos termos refletiria em um desvio da metodologia pré-estabelecida, contaminando o viés de pesquisa e gerando um resultado utópico. Todavia, nada impede de dar continuidade a este trabalho, ampliando as palavras de busca. Espera-se que mais perfis psicológicos, não só dentro do CRAS, mas em toda área de assistencialismo social, possam ser registrados e analisados pela comunidade científica, a fim de criar um arcabouço teórico que embase o aprimoramento de Políticas Públicas na área e auxilie os órgãos competentes a fiscalizar e desenvolverem métodos para garantir à população um atendimento digno e eficiente.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 08/10/2024 | Aceito: 20/12/2024
Como citar este artigo:
BUENO, R. C et al. O lugar do psicólogo no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS): uma revisão bibliográfica. Revista Científica FACS, Governador Valadares, v. 24, n. 2, p. 35-50, jul./dez. 2025.